22 de fevereiro de 2006

The Ganzfeld #4 + The Drama #7. AAVV (Ganzfeld-Gingko/The Drama)


Pelas mais variadas razões, a integração da banda desenhada no discurso mais alargado e corrente das artes visuais, da Imagem e da Cultura em geral, nem sempre tem ocorrido a melhor maneira, e talvez apenas contemporaneamente estejamos a testemunhar algumas mudanças significativas, estruturais e, quem sabe, paradigmáticas até. Julgo que essas razões podem ser condensadas em aspectos sócio-culturais - a banda desenhada é vista como encerrada num estreito e único programa, usualmente dirigida a um público infanto-juvenil (independentemente de jamais ter sido assim em toda a sua existência, falo de “percepção pública”) – em aspectos criativos – a esmagadora maioria dos cultores da banda desenhada, como em todas as artes, optam por “seguir tendências”, “ficar numa tradição”, “serem lidos” ou “chover no molhado” – e finalmente pela ausência de um discurso mais sério, mais académico, mais integrado, precisamente, numa visão multi-disciplinar das artes (mais uma vez, um problema de visibilidade, já se sempre existiram críticos, historiadores, teorizadores e pensadores da banda desenhada).
Uma das outras formas é o de propor, através de uma aparentemente despreocupada mas muito atenta escolha, uma apresentação de objectos visuais que pela sua simples convivência num mesmo espaço - galerístico, museológico, expositivo, editorial, mas sempre heterotópico, isto é, outro em relação às expectativas dos espaços “regrados” – passam não só a se influenciar mutuamente, como a fazer erigir também as própria relações que se tornaram só nesse momento e local possíveis. As antologias são um desse tipo de espaços, que já aqui se discutiu em relação às relativas estritamente à banda desenhada (e *). Acrescentando a essas relações de um campo mais ou menos restrito, ou que a ele se restringe apesar de se mover habitualmente noutros (como no caso da McSweeney’s), há algumas publicações que se pretendem atentas a uma certa linha de criação da cultura contemporânea, e que não fazem distinções entre “áreas” estabelecidas, não a priori, mas pelo menos conduzidas por toda a história sócio-cultural em que nos encontramos (escultura não é fotografia, banda desenhada não é poesia, dança clássica não é instalação, etc.). Quer dizer, importa-lhes apenas mostrar as convivências possíveis e o mais livres possíveis. Estas duas publicações, a The Ganzfeld e a The Drama, movem-se precisamente dessa forma de complicação (“convergência”, “tornar juntos”) e de implicação (“envolver”, “tornar o mais próximo possível”), indo – para o que nos concerne, a banda desenhada – mais longe que a Comic Art em termos de diálogo com a Cultura e que a Modern Arf em termos de juízos de gosto.
A The Ganzfeld (v. www.theganzfeld.com) assume-se tão-somente como “um livro anual de imagens e prosa”. Tendo já atravessado uma existência ou um avatar anterior, é nesta sua nova colecção e nova política editorial que começa a ganhar contornos mais interessantes. Cada nova edição tem crescido quer em tamanho quer em design, ainda que a atenção e o foco se mantenha mais diverso e aberto possível. Este último número é o que abrange um mais amplo campo de áreas, conforme o dito acima: desenhos, esboços para desenhos animados, ensaios sobre pinturas ou instalações baseadas em factos biográficos de bailarinas, ilustrações e diários gráficos, estudos sobre design de capas de discos, pintura industrio-comercial, artes populares, artes “encontradas” umas e “abandonadas” outras, entre outras coisas mais singulares que categorizáveis.
Ao contrário dos números anteriores, as próximas Ganzfeld seguirão temas. A presente versa a História da Arte (a próxima serão as “japonesices”). Não obstante os esforços de criar uma disciplina regrada, que permitisse uma ciência até dos juízos de valor (a Estética), estamos aqui perante um entendimento desta “história” de um modo absolutamente abrangente, espontâneo, buscando por novas soluções de validade e até, se isso é possível, iconoclasta (porque uma inclusão implica sempre algum grau de exclusão, esta escolha torna-se crítica de outras escolhas mais... disciplinadas. Tantos autores, de Baumgarten a Wincklemann, de Warburg a Didi-Hubermann, e tantos outros, mais ou menos restringiram ou ampliaram os seus entendimentos de arte, dos seus supostos “níveis”, dos modos como se relacionavam os vários modos entre si ou como faziam criar espaços... Não creio estar longe das intenções desta antologia um contributo programado para se jogarem de novo esse elementos, e com a banda desenhada na mesma plataforma com “direito de cidadania”. Ainda assim, esta leitura pode-se considerar abusiva, e colocada em dúvida, pela decisão em se terem criado secções tais como “[comentários de] artistas sobre a arte”, “história da arte”, “banda desenhada”, “desenhos”. Se se tiver em conta que na secção “artistas sobre a arte” se encontram 14 pranchas de uma incontestável banda desenhada de Marc Bell, intitulada Gustun on these layers of the eath (sic), dedicadas ao pintor norte-americano Philip Guston, e autor de Poor Richard, que pode, ela, ser entendida como uma obra de banda desenhada, mas imagino que não consensualmente, isto relança a equação em como se poderá entender a banda desenhada. Isto é, a sua exclusão da secção “comics” trata-se de uma redução do campo ou, bem pelo contrário, de uma ampliação – em que uma banda desenhada surge como comentário sobre arte ou um artista? Esta é apenas uma das questões que a existência da Ganzfeld coloca no seu espaço de exibição e, por isso mesmo, de experimentação de respostas.
Alguns dos autores aqui presentes são dos mais arriscados na criação da banda desenhada contemporânea, desde alguns nomes mais vetustos como os de Gary Panter, até autores que já descobríramos em publicações como a Kramer’s Ergot, ou do grupo do Forth Thunder, que publicaram a Paper Rodeo, Jim Drain, C.F... E ainda o grupo (?) Paper Rad e Frank Santoro, a quem Ganzfeld – enquanto plataforma editorial - publicou um livro (do primeiro) e um jornal/comic (do segundo).
Quanto à The Drama, iniciou-se como uma revista não muito diferente de tantas outras, dedicadas a uma certa cultura pop, cool, hipster, urbana e mais uns quantos epítetos da moda, com atenção para artistas (a esmagadora deles, “figurativos”), estilistas, designers, músicos, espaços culturais, fotografia, etc. A banda desenhada sempre fez parte dessa equação, e cada vez mais de uma forma natural, não hierárquica, porque “está lá”, “existe” e não por uma outra razão qualquer (“vende mais, por exemplo?). Apesar de já terem seguido temas (abandonados ao 7º), a partir do número 5 passam a ter uma espécie de suplemento dividido em “textos” e “banda desenhada”, “This It”, com trabalhos de artistas tão diversos como Ron Regé, Marc Bell, Steven Weissman, Tom Gauld, , Nicolas Robel, Paper Rad, Brian Ralph, Vanessa Davis, David Heatley, Alex Lukas... Entende-se, porém, numa certa familiaridade ou na instituição das afinidades que os unem, se se conhecerem as publicações por onde vão sendo tornados conhecidos... Encontram-se ainda grandes artigos e entrevistas a Geneviève Castrée (#5) e ao Elvis Studio (Xavier Robel e Helge Reumann, #7).
Não estabelecendo, quanto a mim, um gesto tão rasgado como o da The Ganzfeld, The Drama é ainda assim uma das revistas norte-americanas contemporâneas que permite à banda desenhada um espaço de convívio com outras áreas de criação, sem que haja necessidade de se procurarem os locais exactos onde as barreiras de devem erguer...
A revista está associada a um grupo editorial e a uma excelente plataforma da internet de venda de publicações (algumas que encontrarão neste blog) independentes e outras coisas: http://www.thedramastore.org/. Posted by Picasa

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