19 de setembro de 2008

Mei 26, Poétiques de la bande dessinée e CIRCAV 19, La bande dessinée à l'épreuve du réel. AAVV (L’Harmattan)

Há uma diferença estrutural profunda entre a investigação norte-americana e a francesa – para falar dos dois principais focos de atenção e pólos de criação do Ocidente – em torno da banda desenhada. Esta diferença só pode ser fundamentada numa complexa e aturada leitura, aqui apenas mostrada enquanto impressão. Essa diferença, identificamos nós, é que nos Estados Unidos a banda desenhada, as mais das vezes, é empregue enquanto objecto de toda uma diversidade de disciplinas de modos relativamente autónomos e separados (estudos culturais, de ciências da comunicação, de género, sociologia, iconologia, etc.), isto é, em que cada novo estudo (sob a forma de artigo ou de livro) é relativamente independente dos anteriores: poderemos ler Ian Gordon, Trina Robbins, Douglas Wolk, Geoff Klock, Bob Levin, e Joseph Witek, como exemplos, sem recorrermos a leituras cruzadas. Por seu lado, no espaço francófono (França, Bélgica e Quebeque, Canadá), encontramos uma linha de continuidade, de respostas a trabalhos e pesquisas anteriores, a contestações directas ou prossecuções académicas, especificações de teorias, etc., tornando este segundo grupo, não melhor ou superior numa mera apreciação hierárquica, mas sem dúvida mais coeso em termos de pensamento e de consubstanciação de uma disciplina própria à banda desenhada, a assunção de estudos específicos. Ao lermos Lavanchy, Fresnault-Deruelle, Groensteen, Baetens, Peeters, deparar-nos-emos com os nomes de uns nos livros dos outros (há casos de charneira: Ann Miller fará parte, apesar da sua nacionalidade e língua, parte desta segunda família, Bart Beatty não). Depois também há o caso português, em que há uma quase total ausência de um discurso verdadeiramente académico, com raras excepções, poucas dessas excepções públicas e, quando o são, abertas à discussão.
Seja como for, ao encontrarmos publicações colectivas reunindo ou tendo instigado artigos em torno da banda desenhada, se for do espaço francês, é quase inevitável encontrarmos alguns nomes já conhecidos (apesar de existirem alguns novos também, que esperemos encontrar mais vezes).
Dado o carácter destas duas publicações, farei apenas uma breve apresentação de cada artigo por publicação, com um comentário final.
a. MEI no. 26 A primeira publicação é o número 26 da Revue Internationale de communication "Médiation & information" (ou MEI), cuja edição ficou a cargo de Pierre Fresnault-Deruelle e Jacques Samson, e cujo título genérico é Poétiques de la bande dessinée. O objectivo central destes artigos é procurar e interrogar a poiética própria da banda desenhada. Isto é, não a sua dimensão poética enquanto um entendimento dessa palavra como busca por um lado emocional, nefelibata, de organização dos signos de um modo belo até, mas sim retornando ao sentido grego da poeisis, a um fazer específico, a um moldar os elementos e matérias próprias de uma determinada arte. Mais, procura-se aqui também o princípio de engendramento da metalinguagem (ou como dirá Philipe Marion, “metagráfica”) da banda desenhada, ou seja, os momentos em que a banda desenhada, nela mesmo, demonstra pensar-se a si própria. Não se apresentam em qualquer caso leituras exaustivas de um autor ou de uma dada obra, nem se procuram compreensões holísticas e finais, mas tão-somente uma análise sustentada e suficiente dos procedimentos em que essa dimensão ocorre. Diríamos estar perante menos “close readings” (com excepções) do que de análises globais de cada obra citada, sob essa perspectiva.
Para além de uma entrevista introdutória a Jiro Taniguchi, eis os artigos incluídos:
1. Cadre et démesure. Little Nemo sans repères (“Vinheta e desmesura. Little Nemo fora de referências”). De Christophe Genin: estudando-os os momentos em que, em Little Sammy Sneeze ou Little Nemo, se dá a ver a própria natureza de ficção (de banda desenhada) às suas personagens, o que se torna tão desconcertante para elas como para os leitores. O autor fala de um “efeito de umbral” quando isso ocorre, fundando-se um dúvida em que espaço nos encontramos.
2. Hergé ou L'intelligence graphique (“Hergé ou A inteligência gráfica”). De P. Fresnault-Deruelle: na continuidade da sua análise das “vinhetas memoráveis” de Hergé, o autor analisa aquelas que dão a ver a função poiética e a capacidade autoreflexiva da própria banda desenhada. Um exemplo é a imagem aqui em exemplo (retirada do álbum de Tintin, não do livro). A legenda que a acompanha diz: “esta imagem tem qualquer coisa de desconcertante na medida em que ela instaura uma cena quase onírica”, como se nos fosse dado a ver o outro lado do trabalho da banda desenhada, com a personagem a passar de uma vinheta para outra...
3. Une esthétique de la contraint (“Uma estética da restrição”). De Yves Lacroix: segundo este autor, todos os exercícios de retórica por que Schulz é famosamente conhecido foram desencadeados por todas as restrições editoriais impostas ao criador de Peanuts. Atendendo-se aos “fora de campo”, à criação de espaços totalmente bidimensionais, à criação de balões preenchidos com marcas gráficas idiossincráticas para representar discursos próprios (Woodstock, principalmente) ou momentos de estranheza, a profunda questão da variação de temas, Lacroix demonstra como Schulz faz com que nos recordemos de como “a narração é aqui o narrado”.
4. Tardi, sa marque, son souffle (“Tardi: a sua marca, o seu hausto”). De Viviane Alary: através de aproximações globais de vários títulos de Tardi, faz-se aqui um retrato dos procedimentos, não meramente estilísticos (ou esgotando-os numa “forma”) mas apontando o seu domínio ético, pessoal, cultural, político, etc.
5. Nomadisme et indentité graphique. Moebius, une poètique de l'errance (“Nomadismo e identidade gráfica. Moebius: poética da errância”). De Phillipe Marion: trata-se aqui de uma análise ancorada numa série de conceitos muito exactos (quer do território específico da banda desenhada, para o qual Marion contribui com o conceito de “graphiation”, por exemplo, quer de outros) sobre a obra de Giraud e a sua passagem para Moebius, buscando-se os espaços de contacto entre as “duas obras”, todos os intervalos de reinvenção pessoal e artística do autor, se bem que a metade-Moebius pareça ganhar vantagem...
6. L'histoire du monde où tout peut exister (“A história do mundo onde tudo pode existir”). De Erwin Dejasse: num estudo que mais se aproxima da literatura comparada, numa primeira fase este ensaio coteja a maravilhosamente livre (ou livremente maravilhosa) obra de Fred com várias instâncias mitográficas de povos ditos “primitivos”; depois, analisando os jogos de linguagem que fazem ressoar algumas imagens, o peso ético das personagens e as estratégias gráficas e figurativas (sobretudo por via das colagens), faz-se uma cartografia da subversão, em todos os sentidos da palavra, típicas do “pai” de Philémon.
7. Rumeurs (“Rumores”) De Vicent Baudoux: um pouco mais impressionista que os demais, este ensaio tenta reequilibrar a questão poética (stricto senso) do desenho de Sempé, procurando na típica graphiation (isto é, em toda a qualidade implicada do gesto artístico sobre a mensagem transmitida) desse autor o valor vital mais profundo (Baudoux bebe dos livros de Sempé, das histórias das personagens, mas também de entrevistas, etc.), estabelecendo ainda várias comparações (o silêncio de Mozart, a “fuga para o vermelho” de Huggins como signo sobre a personagem Marcellin Caillou) que exploram a riqueza falante do “traço” (tradução minha de graphiation) de Sempé.
8. Corto Maltese, l'espace recomposé par la conscience et la mémoire (“Corto Maltese: o espaço reconstruído pela consciência e memória”). De Bernard Darras: trata-se este de um caso de estudo de aplicação das ciências neurológicas para a análise do funcionamento da reconstrução mnémica (“da memória”) da série de banda desenhada mais conhecida de Hugo Pratt. Menos a ver com a dimensão poiética tout court, e especificando uma complicada área para a qual me falta a competência para entender totalmente (e muito menos contradizer ou criticar, apesar dos inquéritos utilizados me parecerem induzir os leitores ou não-leitores inquiridos a respostas previamente esperadas), mas que revela aspectos intrigantes sobre a colaboração posterior dos leitores sobre o traço deixado pela obra.
9. Keep on... Crumbin'. De Boris Eizkyman: na verdade, estamos aqui perante uma close reading, aliás, muito “close”, sobre a famosa banda desenhada de Robert Crumb, de uma só página, Keep on Truckin’..., datada de 1967. Para Eizkyman, trata-se como que de uma súmula da alegria positiva de Crumb, e da profunda inscrição deste autor no acto criativo, com amplas repercussões políticas e sociais, não obstante o irrisório valor que Crumb atribui a esta peça, depois dela ter sido feita refém por todo um mecanismo capitalista detestável. Esta leitura é ancorada numa abordagem figurativa, formal, cultural, social e ainda como crux da obra de Crumb.
10. Alberto Breccia, "l'humoriste sanglant" (“Alberto Breccia, ‘o humorista sangrento’”). De Philippe Marcelé: tomando o desenho num sentido lato, isto é, de um acto criativo específico, enquanto disciplina (no seu sentido artístico e atlético, ou seja, de linguagem de criação e de repetição íntima no autor), faz-se aqui uma análise poética dos procedimentos de Breccia, e os sentidos que esse trabalho singular despertam, num vaivém entre o político, o gesto subversivo (não só em relação à cultura da banda desenhada do seu tempo e lugar, a Argentina dos anos 60 e seguintes, mas também em relação à cultura em geral, à vida sufocada dessa circunstância), o estranho humor do autor, a sua inventabilidade gráfica (à altura dos desafios específicos dos seus colaboradores).
11. Permanences de la ligne claire. Pour une esthétique des trois unités dans L'Ascension du Haut-Mal de David B. (“A persistência da linha clara. Para uma estética das três unidades em L’Ascension du Haut Mal, de David B.”). De Jan Baetens e Hilde Van Gelder: à partida, parece um paradoxo querer qualificar este livro (ou a obra) de David B. com a “linha clara”, mas estudando o uso formal das três unidades da banda desenhada (o famoso “case, planche, récit” – vinheta, prancha, narrativa – de Benoît Peeters), procura-se aqui o modo de reinstauração ou revisitação muito próprio do autor desse estilo supostamente inaugurado por Hergé, sobretudo entendo-se essa “linha” como a subordinação da história ao domínio do visual (procurado por David B. na simplificação ou mesmo homogeneização dos espaços de representação e composição).
12. L'Origine de Marc-Antoine Mathieu, ou Le Surcroît de l'oeuvre (“L'Origine de Marc-Antoine Mathieu's ou A mais-Valia da obra”). De Sylvain Lemay: seria impossível falar-se da dimensão auto-reflexiva e metalinguística sem se citarem os trabalhos de Mathieu, sobretudo a pentalogia Corentin Acquefacques, prisonnier des rêves. É pela análise de um desses livros, L’Origine, e dos seus dispositivos formais – a tressage muito especial (o “entraçamento” de Groensteen), a anti-vinheta (um corte numa das pranchas) – que Lemay sublinha o modo implicado como Mathieu pensa (ontologicamente, apesar de o autor do ensaio o não dizer assim) a banda desenhada através da criação da banda desenhada.
13. L'instabilité stylistique d'Art Spiegelman (“A instabilidade de estilo de Art Spiegelman ”). De Pierre Alban Delannoy: a crise de auto-representação de Spiegelman, sobretudo em In the shadow of no towers, já foi aqui discutida. É de facto um tema importante na leitura do autor norte-americano... Mas quais as razões da variação de estilo na pequena obra de Spiegelman (e até no interior de Maus, que conheceu algumas versões diferentes antes da versão em livro)? Elas, as razões são várias, mas todas se reúnem numa só ordem, a poética precisamente (mas também apeteceria dizer “psico-gráficas”), e é isso que é analisado por Delannoy (que já havia publicado um volume dedicado ao autor, com Maus d'Art Spiegelman : bande dessinee et shoah) sobretudo tendo em conta as intervenções das confessio artis, os momentos em que o autor, no seio da própria obra, revela os modos criativos dela mesmo, e ao mesmo tempo as crises que daí advêm ou que dela fazem parte integrante.
14. Une vision furtive de Jimmy Corrigan (“Uma visão furtive de Jimmy Corrigan”). De Jacques Samson: se se falou de “muito close reading” no caso de Eizkyman, então aqui estamos perante uma “closest reading”. O autor do artigo elege uma só prancha (que aqui se mostra, novamente da edição original) de todo o Jimmy Corrigan. The Smartest Kid on Earth, de Chris Ware, para fazer uma micro-leitura, mas macro-análise, da linguagem de base, do modo implicado de Ware dar conta dos parcos e minúsculos movimentos, não só físicos, como emocionais e intelectuais, desta personagem verdadeiramente patética...
Num cômputo geral, este livro reúne artigos de críticas muito agudas e acertadas, que demonstram a potencialidade de formação de um pensamento próprio e autónomo em relação a este campo artístico, apontando-se mesmo algumas pistas em torno deste autor ou daquela obra como subitamente indispensáveis, quer para segui-las quer para contestá-las. A ausência de cor nas reproduções é ligeiramente negativa em relação a alguns estudos que nela se baseiam (Marion, Lacroix), e a má paginação do livro leva a alguns hiatos na sua organização. Um pouco mais grave é a secundarização do trabalho dos escritores na sua colaboração com os artistas citados, sobretudo grave nos casos de Moebius (Charlier), de Breccia (Oesterheld, Sasturain) e de Tardi (Daeninckx, o material de Vautrin), pois sem essa “metade” (pouco importa a exacta proporção, quiçá impossível de discernir, sobretudo se tivermos em conta o bloco inextrincável que essas obras constituem) o acto poiético não seria o mesmo (ou não seria mesmo). Mas tudo isso é ultrapassado pela seriedade do conjunto.
b. CIRCAV no. 19 A segunda publicação é também académica, e também de 2007, proveniente da Universidade de Lille 3, e intitula-se CIRCAV (“Cahiers Interdisciplinaires de la Recherche en Communication Audio Visuelle”). É o seu 19º volume, é um número coordenado por Pierre Alban Delannoy, e intitula-se La bande dessinée à l'épreuve du réel (“A banda desenhada posta à prova do real”). Tal como o volume da MEI, apresenta uma série de ensaios em torno de um tema de partida, neste caso, as relações da banda desenhada com a realidade, isto é, a existência empírica, tangível, histórica, do mundo e do tempo em que nos inscrevemos enquanto seres. Exploram-se relações com a memória de pessoas reais, a fotografia, a relação dos autores entre si. Vejamos os artigos:
1. Le vif des choses sauvegardé. La guerre d'Alan d' Emmanuel Guibert (“O vivo das coisas, ressalvado”). De P. Fresnault-Deruelle: [artigo repescado em Images à mi-mots] trata-de uma uma análise formal global aos dois primeiros volumes da trilogia, elaborando-se um conceito, o de “escrita do relatório”, em que há como que uma interrupção, ou desligar, da narrativa central, para se dar uma explicação, um esclarecimento, uma qualificação em relação a algo que está “entre” as acções reportadas; para esse fim, surgem os desenhos “enciclopédicos”, os quais são, a um só tempo, monstrativos e demonstrativos (as famosas vinhetas onde o objecto de atenção, por vezes as personagens, são destacados de um fundo descaracterizado). Tudo isto feito no fito de dar a ver a acumulação de distâncias, de Cope em relação à guerra, de Guibert em relação a Cope.
2. Maus et Auschwitz: des récits testimoniaux de tèmoignage(s)? (“Maus e Auschwitz: narrativas testimoniais de testemunha(s)?”). De Jonathan Haudot: a partir da ideia de “testemunho do testemunho”, isto é, a relação profunda que um ouvinte tem da memória testemunhal de uma pessoa que experienciou algo “em primeira mão”, estuda-se aqui Maus e In the shadow of no towers de modo a tentar perceber se e qual o modo em que essas obras preenchem esse conceito. Só Maus o faz, mas ITSNT levanta questões pertinentes que merecem o contraste.
3. “Je te dessine, donc tu es”. Les auteurs de BD (re)vus par leus collègues (“’Eu desenho-te, logo és’. Autores de banda desenhada (re)vistos pelos seus colegas”). De Mario Beaulac: partindo das ligações das biografias e autobiografias, sobretudo aqueles contadas através da banda desenhada, este ensaio fala de três experiências de biografias de autores de banda desenhada contadas pelo meio da banda desenhada (as de Jijé, Hergé e McCay). Estuda-se como dois modos de fazer banda desenhada (“o contado” e “o que conta”) se encontram, os vários processos, de mimese ou distância, em relação ao real: o facto de incluírem a própria obra de que falam, por exemplo, e não somente a vida dos autores, leva a uma alteração dos métodos de representação do real e ao diálogo, por vezes plasmada, entre a “linguagem original” e a que a “relata”.
4. Bande dessinée et journalisme (“Banda desenhada e Jornalismo”), um entrevista de Joe Sacco por Boris Tissot, onde se exploram de uma forma directa e sucinta os métodos de trabalho de Sacco, a evolução da sua relação com esse mesmo trabalho, e as aprendizagens a nível pessoal do autor ao longo da sua experiência.
5. Des cases très sensibles (“Vinhetas muito sensíveis”). De Erwin Dejasse: pequeno artigo (infelizmente, em vários sentidos) sobre a integração e valor da fotografia em obras de banda desenhada (em Yamada Naito, Teulé, Boilet, Guibert). Mas é pouco desenvolvido, acabando por ser mais as anotações de uma série de impressões – não obstante, pertinentes – do que a instauração de um acabado e articulado pensamento.
6. Frédéric Boilet, un français au Japon (“Frédéric Boilet. Um francês no Japão”). De Jan Baetens: a distância que separa as estratégias da representação do Outro (e mesmo das possibilidades de representação) entre O Lótus Azul, tomado como uma espécie de paradigma na história da banda desenhada moderna franco-belga, e a obra diversificada de Boilet é o alvo deste ensaio. Esta última obra, pelos caminhos da ficção ou não, marcam-se por uma impossibilidade de completar o retrato, isto é, uma consciência em saber que conter uma outra pessoa, de fora, é algo ontologicamente inatingível; porém, a integração dessa consciência no próprio acto de representação, ou tentativa, torna esse acto mais próximo de uma completude eventual.
7. Bd de la réalité, réalité de la BD (“Bd da realidade, realidade da bd ”). De Pierre Alban Delannoy: esta é uma excelente análise das diferenciações operadas no seio da banda desenhada contemporânea, que lhe permitiu passar do regime do livro para o do álbum (nos sentidos específicos de Mallarmé, em que o primeiro se refere a uma disposição retórica e espacial, que advém da escrita, e dá a ver uma forma una e universal, e o segundo a uma estratégia de montagem, de disjunção, de fragmentação, criado sob a circunstância e o descontínuo). O modo como as imagens são rasuradas ou compósitas, ou a composição heterogénea dos cadernos de viagem, diários, diários gráficos, etc., dá a ver uma aproximação (ou anulação da distância) entre o momento da criação e a sua leitura/fruição (fala-se de Dupuy e Berberian, Baudoin, de quem mostramos uma imagem significativa, e ainda uma nota especial para Maus)
As obras de arte não têm jamais origens ou circunstâncias originais comuns. O acto criativo é uma confusão. Cada um começa como pode ou consegue ou quer. O que se explora nestes ensaios não é a busca de uma ideia comum, impossível, e essa ideia é mesmo apagada com estes textos. Não há também um ponto de chegada, ou de fuga, comum, já que há uma disparidade tremenda de fios e sentidos de todas e cada obra. O que se explora aqui são menos as condições de produção (embora ela faça parte da equação) do que as condições de possibilidade: a sua relação para com o “mundo”, a “realidade”. E é nessa medida, a de que se inscrevem no mundo, que estas bandas desenhadas, e outras que estão prometidas no horizonte aqui descrito e circunscrito, formam uma comunidade.
Como se pode imaginar, haveria muitos outros pontos a debater no interior de cada ensaio, mas isso tornar-se-ia incomportável nestes textos, já grandes por natureza. Convidam-se os leitores a perguntas ou à leitura dos mesmos, e seu debate futuro.

1 comentário:

Porfirio Silva disse...

Tenho de ler este texto interessantíssimo com mais calma. Prometo. Mas, de momento, deixo uma sugestão: já conhecem o álbum MARZI (La Pologne vue par les yeux d’une enfant), de Sylvain Savoia e Marzena Sowa?