11 de julho de 2016

5 títulos. AAVV (Éditions Matière)

São por demais os artigos que, discutindo a banda desenhada e as suas hipotéticas “potencialidades”, jamais acabam por se referirem àqueles textos existentes que de facto exploram essas mesmas margens, ou melhor dizendo, perscrutam novos territórios que se vão estendendo paulatinamente. Por outras palavras, é uma patetice alegre esperar pelo futuro da banda desenhada em objectos de mediocridade normativa, quando esse futuro já medra. Basta abrir a pestana. 

A teórica literária Lisa Zunshine, por exemplo, num seu artigo em que aborda a banda desenhada, compreende esta como “artefactos que coordenam textos e imagens de tal forma que a informação sobre os sentimentos das pessoas a que acedemos ao olhar para a sua linguagem corporal elabora, contradiz ou simplesmente complica as descrições verbais desses sentimentos”. Zunshine é uma autora que se tem dedicado à intersecção dos estudos literários com as ciências cognitivas, por isso não é surpreendente que mencione com particularidade os sentimentos das personagens e as inferências (“de uma maneira rápida, confusa e intuitiva”) que tiraremos das suas representações. E insiste mesmo quando parece querer olhar para além dessa limitação: “as narrativas gráficas, sobretudo aquelas inclinadas com a experimentação visual, examinam intuitivamente a nossa tendência de observar, interpretar e reinterpretar obsessivamente corpos demonstrando emoções, ao mesmo tempo que nos mantemos abstraídos dos vários passos envolvidos neste processo de leitura de mentes ficcionais”. A autora, portanto, insiste numa agência humana da narratibilidade da banda desenhada. (Mais)

Se num momento histórico, a experimentação formal se associava necessariamente à procura por efeitos apelativos a um público cada vez mais massificado (sobretudo nas suas relações com a imprensa periódica no mundo ocidental ao longo do século XIX), foi preciso chegar à autonomização da banda desenhada face a esse mesmo mundo (e ao do entretenimento infanto-juvenil, etc.), para conseguir instalar instrumentos de pesquisa formal mais específicas. Muitas vezes abdicando dessa tal agência humana, e procurando objectividade no uso da própria superfície visual, material e estrutural possível na banda desenhada.

A editora francesa Matière, que é conduzida por Laurent Bruel, segue mais ou menos uma mesma lógica nos seus projectos, que é a da found footage, uma prática nascida no seio das artes visuais e cinematográficas mais fora do dispositivo do entretenimento, integrando-se imagens prévias numa nova construção ou montagem que muitas vezes desvia da rota do propósito original, para se chegar a uma nova realidade, distância crítica ou efeitos inesperados. Muitos dos livros que se seguem procedem à recuperação de imagens provenientes de um alargado “arquivo” de imagens, seja da banda desenhada ou de outros territórios contíguos, reapropriando-se delas para um significado que, a um só tempo, pensa sobre essas mesmas imagens e as relações que elas poderão ter com a nossa posição contemporânea de leitores.

Parte dessa posição é, na verdade, deslocada pela própria e existência destes objectos. Apesar dela, e a contínua abertura das tais “possibilidades” (que não o são, uma vez que estão cumpridas afinal), ainda existe uma espécie de inércia na esmagadora maioria dos leitores de banda desenhada (inclusive aqueles que, supostamente, assumem uma posição privilegiada de leitores de qualidade), que teima em que não aceitar estas fronteiras móveis e preferir um certo conforto em categorias mais convencionais. A Matière, como algumas outras plataformas editoriais, expande por dentro essa categoria geral chamada “banda desenhada”, sem a jamais dissolver noutra coisa.

Les écrans. Jacques Ristorcelli. Comecemos pelo livro que mais tem reunido atenção crítica daqueles publicados pela Matière, se exceptuarmos os de Y. Yokoyama. O seu motivo é o desastre conhecido por “Fukushima”, absorvendo metonimicamente o nome da prefeitura do centro do Japão, na qual a origem de desastre natural, terramoto e tsunami, veio desencadear um outro nuclear, em que a falha energética levou à desintegração no reactor, levando a uma crise infeliz. O autor, todavia, não apresenta pura e simplesmente um relato ora do evento em si numa estratégia jornalística ou factual, nem sequer mantém uma linha autobiográfica em que torna clara a sua relação com as pessoas que lhe escrevem do Japão logo após o evento. As notícias recebidas por mensagem ou outras fontes torna-se tão-somente mais uma matéria plástica combinável com imagens procedentes de várias áreas para criar um modo de pensamento sobre a relação da história (das imagens) com o evento presente, da memória e do imaginário entrosando-se com o testemunho real.
Benoît Crucifix fez uma leitura intensa e teoricamente sustentada deste livro, e para ela remetemos, podendo-se descobrir lá contornos mais exactos do processo de trabalho de Ristorcelli (fontes das colagens, técnicas, etc.) assim como outras questões ontológicas pertinentes que aumentarão o escopo de interesse e valorização de Les écrans.

Seja como for, considerando este livro como um projecto de colagem que vai para além de imagens heterógenas, o que lemos e vemos é antes uma espécie de dominó complexo de causa-consequência entre um problema e o seguinte, mas cuja linearidade é, de certa forma, “traduzida” pela forma com que Ristorcelli promove o avanço do seu livro. Se se ler com atenção para com a estrutura material do livro, em que se apresentam as imagens quase sempre duas a duas em cada prancha, ou splash pages e, mais raramente, spreads, notar-se-á que há um avanço por efeitos cumulativos das imagens coladas, ou de pequenas variações conducentes à ideia de um avanço linear. Há uma fraternidade com um projecto como 978, em que apesar da aparente superficialidade abstracta do livro de P. Matthey, efeitos visuais efectivos contribuem para um efeito narrativo. No caso de Ristorcelli, essa narratividade é maior ainda, já que não apenas as imagens são claramente representativas - uma paisagem de guerra, uma explosão, uma figura humana gigantesca manipulando a terra, imagens de manuais de emergência em caso de perigo, etc. – como o texto vai contribuindo para uma concentração do tema.

Em alguns momentos, a experiência de leitura deste volume recorda-nos a cinematográfica de uma Marguerite Duras, de um Chris Marker, ou outros cineastas na qual não há propriamente um divórcio entre texto e imagem mas uma relação que não procura um simples reforço mútuo entre eles, mas alguma procura por paradoxos irresolutos. Ocorre um “interface incómodo” entre texto e imagem, para empregar uma expressão de Catherine Delafield, de um contexto bem diverso, que reforça a visibilidade desses mesmos textos, ou da matéria verbal, para seguir as lições de T. A. Bredehoft. Os textos – correspondência pessoal, citações de notícias e chats – mantêm características próprias, negando-se a dialogarem entre si para a emergência de uma “explicação” coerente, uma familiaridade com o evento, mas um permanente desequilíbrio que obriga a compreender a inacessibilidade do mesmo. Criando dessa maneira, na expressão de Baudrillard, que está presente como epígrafe, um ecrã.

Notes sur le sumo. Laurent Bruel e Risto. Sendo Bruel o editor desta colecção, é justo que tenha sido ele quem inaugurou um dos gestos que abre o território que a Matière pretende ocupar, ao mesmo tempo que o cria, em colaboração com Ristorcelli, que assina com um pseudónimo de curta duração. De uma forma simples, este pequeno livro é uma introdução à luta tradicional japonesa conhecida por sumo, mas não se trata de forma alguma um caderno que explique de forma enciclopédica ou pedagógica a sua história, papel social e regras desportivas. Menos do que aprendermos o que é o sumo, como se pratica, que tipo de dietas se seguem para se ser um sumotori, que significam cada um dos gestos rituais do combate, etc., entenderemos antes uma ontologia mais profunda em relação a como se o vive. O livro é dividido em três capítulos: ”espectáculo”, “prática” e “público”. Utilizando colagens a partir de gravuras do século XIX e materiais vários do século XX, inclusive referências à banda desenhada norte-americana e à mangá, assim como possivelmente alguns desenhos originais, o texto é esparso e procura antes efeitos poéticos do que explicativos. Há uma indicação de que o texto é de L. Bruel, mas também se indica que é “traduzido do japonês” e que parte dessas frases haviam sido empregues num filme sobre o desporto ritual. Sem nos podermos assegurar, diríamos que a matéria textual é tratada aqui tal como a visual, em que assume a sua materialidade plástica e comutativa, e menos como instrumentos esclarecedor de uma razão linear.

Existem pequenos nódulos, ainda assim, que explicam todos aqueles pontos que dissemos estarem ausentes: a história da prática, a sua vivência no Japão do pós-guerra, as suas transformações modernas, o comportamento do público e a sua fruição do espectáculo, a simetria física criada entre os dois combatentes na arena. Mas sempre de um modo atomizado e cujo propósito nos parece ser o mesmo: falar da alegria (joie), e aceitá-la como é, tal como é. E não poderá ser essa também uma maneira de entender estes projectos de banda desenhada? Não tanto como querendo responder a uma realidade ulterior, fora de si, protelada numa razão externa, mas num prazer imediato da sua fruição?

As colagens – pois é disso que se trata -, ou melhor, as cenas empregues e recortadas, oscilam entre as realistas e as estilizadas, entre o padronizado e o dinâmico. O texto aparece igualmente em japonês (kanji e hiragana ao longo das margens), e invade alguma vez o campo visual sob a forma de onomatopeias. É tentador cair na ideia de repetir-se aqui a ideia barthesiana do “império dos signos”, em que o fascínio pelo que não se conhece ganha uma dimensão material que não teria se passasse pela decifração cognitiva e racional. Não se procura a familiaridade com esta estrutura compositiva, visual e figurativa. Bem pelo contrário, a sua contínua heterogeneidade assegura sempre uma distância crítica, tal como ocorre, ainda que forma diferente, no livro a solo de Ristorcelli.

La méthode Bernadette. Este livro põe em marcha alguns dos mesmos princípios de Les écrans e Notes sur le sumo, na medida em que é através da “colagem” de imagens pré-existentes que ele cria uma nova distribuição do sentido sobre elas mesmas. Por essa razão, o editor, L. Bruel, assegura-nos que este volume actua como uma espécie de manifesto pela prática dos processos recorrentes da Matière. Mas em vez de lançar mão de materiais heterogéneos de maneira a criar uma tessitura rugosa, mantém-se no interior de um circuito muito restrito.

O “método Bernadette” é, para explicar de modo simples, uma forma de catequese por imagens que foi desenvolvido por um grupo de devotas católicas francesas, as ditas “irmãs Bernadette”, de uma zona rural-tornada-industrial nos anos 1910, Thaon-les-Vosges, sob a condução de um abade chamado Émile Bogard. Utilizando imagens em silhueta, criaram centenas de instrumentos de evangelização e lições materiais, tentando combater o sindicalismo e o que chamavam do “materialismo da modernidade”, o que englobava formas populares desviantes do cinema, a arte cubista, os discursos comunistas, etc. tudo confundido num “inimigo” volátil e vago contra os valores ocidentais. Se se contribuía para a educação das crianças e das jovens meninas, conduzindo-as ao apropriado papel de donas de casa e futuras mães, ao mesmo tempo introduzia-se nas lições a mundividência católica, que cria redes de oposição absoluta entre a via do “modernismo”, na qual o diabo espreita, e a via da salvação evangélica.

De certa forma, é algo que se aparenta a algum uso de imagens nas bíblias manuscritas, inclusive as erroneamente chamadas Biblia Pauperum, os frescos, vitrais e azulejos nas igrejas, as imagens de Épinal, como instrumento de comunicação de um conteúdo determinado. Todavia, a sua contextualização histórica precisa, a ideologia da congregação feminina entretanto extinta, o programa do padre Bogard e da irmã Marie de Jésus (a artista principal), e o uso particular das silhuetas (a qual possui toda uma história técnica que não importa recuperar aqui) num programa de catecismo (isto é, um tratamento por redução de toda a teologia e dogmatismo católico em lições fáceis de transmitir aos mais novos) torna o método Bernadette sucinto, directo e célere.

O que ocorre porém no livro da Matière é uma re-estruturação, redistribuição e re-ordenação de todas essas imagens originais, sem qualquer manipulação sobre elas mesmas, de maneira a contar precisamente a história do próprio método Bernadette. Joga-se portanto com a materialidade das imagens, como manda a lei da editora, até no nome. As imagens encontram-se distribuídas nas páginas como se se tratassem de vinhetas de banda desenhada, mesmo que os editores/autores sejam cuidadosos a não querer confundir esta produção original de imagens passíveis de narratividade com a banda desenhada propriamente dita (mesmo que este “propriamente dito” seja entendido de um modo lato e elástico, como deve ser). Simplesmente é uma forma de compreender o diálogo ou convivência possível, uma interpretação, enfim, um re-agenciamento das imagens para que se contem a elas mesmas.

O livro tem ainda dois textos explicativos e críticos do contexto de criação do método Bernadette, de forma a providenciar aos leitores uma compreensão variada e alargada do mesmo. As imagens em si, como se disse, não são manipuladas com excepção da sua composição, e os textos acrescentados são mínimos e, apesar da sua forma poética e aqui e ali elíptica, não são irónicos nem desconstrutivos. Todavia, ler material catequético sob a forma de um livro de banda desenhada moderna num contexto de livros de banda desenhada experimental traz consigo toda uma patina de distanciamento crítico e até, diríamos, sarcástico. O que surpreende é a eficácia destas imagens sumárias de silhuetas a prestarem-se a este exercício de re-propósito, o que as reforça enquanto imagens. E apesar da dificuldade em seguir todos e quaisquer passos ideológicos previstos nelas (a demonização do cinema, do sindicalismo, o elogio do papel doméstico da mulher, da subserviência das crianças às instituições, etc.), há uma espécie de candura aberta, que afasta o discurso de, por exemplo, os “tratados” de Jack Chick, em que a demonização do outro é cabal.

La salle de la mappemonde. Yuchi Yokoyama. Em relação aos livros anteriores de Yokoyama, de que havíamos falado, há asseguradamente um passo em direcção a territórios mais “normalizados” da banda desenhada. A introdução de balões de fala, de uma claríssima progressão narrativa integrada num objectivo claro (no sentido narrativo, já que não em termos de significado), e até de alguns elementos de dinâmica actancial entre as personagens fará imaginar que esta é a tentativa do autor criar “mangá” convencional e não poderosos ensaios sobre a superficialidade de todas e quaisquer marcas gráficas lançadas na superfície do papel. Se quase todos os outros livros aqui agregados impedem a consideração da banda desenhada como uma “janela” para um ”mundo ficcional”, aqui essa esperança emerge, mesmo que de leve, uma vez que os elementos visuais e estruturais do autor se mantêm inalterados. La salle parece fazer parte de uma hipotética trilogia prometida pelo autor, mas não estamos perante um projecto que venha a ser publicado com o mesmo ritmo que os títulos convencionais e comerciais.

Em termos de acção, o livro não podia ser mais linear. Três personagens são chamadas a uma cidade (para eles) estrangeira, atravessam-na, e chegando ao seu destino, contemplam um jardim interno a um edifício e encontram que os chamou. Qual a razão desse chamamento e qual o desenvolver dessa acção apenas para o futuro está reservado. Como nos casos de Voyage e Combats, incute-se uma natureza épica a todo e qualquer movimento da acção: observar a cidade num alto, observar aviões a passar em voos baixos, descer umas escadas, atravessar um rio de barca, tocar à campainha, servir um whiskey, tudo é tratado com traços de ultra-dinamismo e máximo impacto, impedindo que haja flutuações de intensidade. É tudo intenso. O facto do autor não criar distinções em primeiros planos e fundos, linhas cinéticas e de figuração das personagens, cenários de onomatopeias, cria igualmente uma espécie de plano confuso das marcas gráficas, o que obriga o leitor-observador a se aperceber que existem operações já familiares na interpretação da banda desenhada que são aqui postas em causa. Obriga o leitor, como as melhores experiências da banda desenhada, a ver.

Le programme immersion. Léo Quivreux. Quivreux é um autor que oscila entre livros de aparência convencional e experiências mais radicais em termos de figuração e agenciamento dos elementos narrativos, assim como participa quer em colaborações quer projectos a solo. Mas pertence a uma família que se estende por colectivos como Le Dernier Cri e artistas individuais como Bertoyas, mostrando desde logo uma integração numa constelação de experimentação. Mesmo quando os seus livros parecem inscrever-se num género determinado e balizado, como o policial de Agents dormants ou a ficção científica de Le programme immersion, isso serve apenas como palco para criar desvios significativos desses mesmos géneros, sobretudo no que diz respeito à ontologia, teleologia da narrativa e estratégias de representação. Daí que apesar deste livro ter um formato maior, aparentado ao álbum ou ao “romance gráfico”, conter uma história passível de sinopses claras, ele não deixa de participar na natureza comum dos livros aqui discutidos, de trabalhar em base de arquivos livres de referências visuais, estruturais e temáticas.
Poderíamos reduzir a história e dizer que é uma intriga linear policial ou de espionagem de cariz ficcional-científico, em que duas agências opostas jogam xadrez com os seus agentes e outros elementos, em torno de uma máquina especial que, ligada directamente aos cérebros das pessoas, lhes permite através de uma técnica incrível surgirem no que parecem ser ou mundos paralelos ou numa existência paralela no mundo em que vivem. Cada vez que se executa uma “passagem”, o autor mostra vinhetas cabalmente ocupadas com padrões visuais, texturas, formas, números ou algoritmos, espirais de luz, que não parecem subsumir-se a nada em concreto, mas deixando que essa natureza abstracta seja interpretada das formas mais distintas possível.

Ao mesmo tempo, inscreve-se uma intriga que se centra numa mão-cheia de agentes com relações contraditórias entre si, como a camaradagem profissional, a responsabilidade, a amizade e até o amor, onde ele é possível de interpretar. Mas com grandes limitações, já que Quivreux não está interessado em lavrar perfis psicológicos matizados. Ainda assim, esse pequeno grupo de protagonistas, deuteragonistas e antagonistas tecem uma perfeita rede de dinâmicas centrípetas muito coerentes. E finalmente há toda uma camada de uma patética melancolia, com os agentes a deambularem sem fito por paisagens urbanas decadentes, sem terem a certeza de que ordens ou regras cumprir, em que o propósito, o valor e a justiça das suas acções jamais são esclarecidas, mostrando uma espécie de engenhoca em movimento perpétuo por um qualquer poder ambivalente e descentralizado, do que acções que levem à felicidade ou liberdade dos demais cidadãos. Le programme immersion funciona dessa maneira como uma semi-velada desconstrução de toda a ficção de espionagem, que assegura sempre uma razão ao status quo central nas histórias. Aqui, tudo é composto de dúvida e incerteza.

Em termos visuais, o autor parece ter limado alguns dos seus instrumentos e se não trabalha a colagem (pelos vistos uma técnica preferida nesta editora), como o havia feito com o artista Samplerman, por exemplo, mesmo assim poderíamos chamar “de colagem” a origem das marcas gráficas empregues. Um pouco como Berliac, há uma espécie de fundo referencial que nos recorda uma certa produção de gekigá presente nas personagens, mas que poderiam recordar igualmente, pela sua estilização máxima, radical e quase não-natural, tanto Yokoyama como Charles Burns, ou mesmo Chester Gould: linha grossas e personagens estranhas nos seus pormenores físicos, contra cenários altamente detalhados e esquálidos num momento, e minimalistas e despojados no outro, numa economia flutuante de meios. A estrutura narrativa é organizada, mas dado os vários “níveis” de existência e de “passagem” providenciados pela máquina conhecida por “EP1”, há momentos em que nos perdemos. Le programme immersion, nesse aspecto, tem menos de Inception (que mantém sempre a possibilidade de uma cartografia inteligível) do que de eXistenZ (o qual apresenta uma estrutura compossível e irresolúvel). A “imersão” prometida, portanto, apesar da sua aparente clareza narrativa, é total para os próprios leitores.

Nota final : agradecimentos à editora, pela oferta dos livros. Igualmente a Benoît Crucifix e Filipe Abranches.

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